2 mil reais em atum no lixo

A diferença entre um produto bom e um produto incrível está na pergunta que o criou.

O Japão é, sem dúvida, um país paradoxal.

Ao mesmo tempo que vivemos experiências incríveis e vemos paisagens memoráveis, passamos cada perrengue e presenciamos coisas bizarras.

Certamente a maior dificuldade que senti por aqui foi a barreira no idioma, como comentei na News anterior.

Some isso ao fato de tanto a Manu quanto eu termos alergia à camarão e se alimentar por aqui vira quase uma epopeia.

Certa noite encontramos um restaurante bem típico (daqueles que só tem um balcão na frente dos cozinheiros. Depois de alguns bons minutos tentando decifrar com os garçons se tinha alguma coisa com camarão, começamos a jantar.

Um dos pratos era um sashimi de Atum Ōtoro (se um dia vier ao Japão, faça um favor a si mesmo e experimente). Essa é a parte mais gorda do atum, vindo da barriga.

Quando foi a hora de preparar esse prato, tivemos a sorte de ver o chef usar uma peça de atum nova (e extremamente fresca).

Ele pegou um pedaço quase inteiro de atum e começou a separar as partes.

A primeira parte que ele separou é a que comumente é usado para fazer atum selado ou “Tataki”. Vi aquilo e comentei com a Manu: “Olha, a parte que fazem aquele prato que tu adora em Porto Alegre”.

No momento que a Manu vira para olhar, o chef pega o pedaço inteiro (tinha fácil mais de 5kg pelo tamanho) e joga no lixo.

A gente travou sem acreditar (não vou nem entrar no mérito do desperdício de alimento)

Só pensava que já fui em muitos restaurantes bons no Brasil onde aquele pedaço é servido como prato especial.

Lembro que pensei: “ele acaba de jogar pelo menos 2000 reais em atum no lixo”.

Virei para a Manu e comentei “tá aí o título da próxima newsletter”.

Saí para correr no dia seguinte com aquilo na cabeça: “Por que ele jogou o atum no lixo?”

E a única resposta que fez sentido na minha cabeça nos leva para o percurso (já planejado de hoje): execução para transformar grandes ideias em realidade.

Você pode até estar se perguntando qual a relação.

Bom, os chefs japoneses (na média), não aceitam servir nada que não seja o melhor possível. Em alguns casos existe um nível quase obsessivo para chegar ao melhor resultado.

Na concepção dos pratos, a única pergunta que eles se preocupam em responder é “Como eu faço o melhor prato possível?”.

Todo o resto é distração e deve ser eliminado para que a execução seja a mais eficiente possível (e lá se vai nosso atum para o lixo).

Embora não concorde com o efeito que a resposta gerou, tenho uma admiração grande pela premissa do “como fazer o melhor possível e da melhor forma possível”.

Seja sua ideia um produto, um serviço ou qualquer coisa do tipo, essas são, sem dúvida, perguntas que você deveria tentar responder.

Só tem duas perguntas a meu ver, que são mais importantes (e, pelo que já vivi ajuda muito respondê-las antes).

A primeira coisa a se entender é que não adianta buscar o ‘como’ se você não começou pelo ‘porquê’.

Sua motivação para colocar uma ideia em prática é o que muitas vezes vai determinar se você vai executá-la, de fato, ou não.

Gosto de encarar essa etapa em uma visão “de dentro para fora”, ou seja, levar algo que eu tenha a possibilidade para alguém (normalmente um usuário ou cliente) poder ter algum resultado com isso.

E, com isso, a segunda pergunta: “para quem estou fazendo isso?”.

Se você está fazendo unicamente para você, tudo certo, mas isso provavelmente será um hobby e não um negócio.

Pensar quem vai consumir seu produto/serviço, entender suas dores, necessidades, vontades, é fundamental para que o resultado seja realmente positivo.

Não adianta nada encher um produto de funcionalidades se a pessoa quer algo simples.

Aprendi muito isso na minha passagem pela Accera, a primeira empresa que trabalhei.

Passamos um tempo desenvolvendo MUITA coisa que julgávamos incríveis, mas o feedback e uso dos clientes não tinha grandes evoluções.

Até que fomos entender de fato a dor de quem usava e, com soluções muito mais simples, conseguimos desenvolver ferramentas que, de fato, geravam muito resultado.

Duas perguntas simples: por quê? E para quem?

Vencida essa etapa, entramos de cabeça na execução, na transformação da ideia em realidade.

E aí, sim, entra a pergunta que não pode mais esperar: como eu tiro isso do papel da melhor forma possível?

A resposta não tem muita mágica: executar melhor que a média e de forma consistente.

E aí começa a parte que quase ninguém quer encarar: o trabalho por vezes chato, repetitivo, suado, mas necessário.

Pensa comigo: quantas ideias você já teve e pensou “isso ia ser genial”, mas ficou por ali mesmo?

A verdade é que a distância entre a ideia e o impacto é medida em execução.

E executar não é necessariamente uma etapa “glamourosa”.

É mais “criar planilha”, “fazer reunião de alinhamento”, “corrigir problemas”, “testar a mesma coisa 12 vezes antes de ir para o ar” do que o pitch no palco ou o post viral.

É aí que aquele sashimi descartado volta como analogia perfeita (por favor, não interpretem que estou sendo a favor de jogar comida fora):

Executar com excelência exige renunciar a atalhos, resistir à tentação de “servir o que dá”, e focar no que de fato vai construir a ideia que você teve.

E aí você vai precisar, muitas vezes, “jogar o atum no lixo”, porque ele não sustenta o padrão do prato.

Do que eu já errei nessa área (e aprendi), tem 3 lições que me marcaram e quero compartilhar com você.

1. Priorize problemas, não funcionalidades ou ideias malucas

Um bom produto/serviço (ou funcionalidade) responde uma dor real e latente. Antes de correr para execução, responda:

“Isso resolve uma dor que o usuário já tem consciência? Ou estou tentando criar um desejo artificial ou algo da minha cabeça?”

2. Teste antes de amar a solução e fazer grandes construções

Você não precisa de um protótipo lindo. Precisa de um jeito rápido de validar se aquela ideia funciona no mundo real.

Se for uma feature, simule. Se for um produto novo, teste a promessa/solução da dor antes de construir o core.

3. Tenha um backlog de problemas, não de pedidos

O time não deve receber demandas do tipo “faz tal coisa”.

O time deve receber problemas bem definidos, com contexto, impacto e critérios de sucesso.

Execução não é “dizer sim para tudo”, é ser implacável com foco.

Seu momento de refletir:

- Qual foi a última ideia que você teve e não saiu do papel? Por quê?

- Você tem clareza de qual é o seu “padrão mínimo” de execução?

Espero que tenha curtido esse percurso!

Grande abraço,

Mazzillo

Dados no Cotidiano

Em um estudo publicado pela Harvard Business Review, empresas com capacidade de execução considerada "forte" têm 70% mais chance de alcançar resultados de crescimento acima da média do setor.

Isso mostra a grande virtude de conseguir, de fato, colocar as coisas em prática.

Maaaaas…

8% dos líderes dessas empresas acreditam que conseguem executar suas estratégias com excelência.

Ou seja, aproximadamente 9 em cada 10 empresas falham na etapa de execução. Uma etapa que daria uma vantagem competitiva enorme.

Definitivamente, vale se aprofundar no assunto

Ideia boa não é mais diferencial — o diferencial está em conseguir executar o básico melhor que os outros.

Vá uma milha a mais:

Essa semana, minha recomendação é o livro “Execução” de Ram Charan e Larry Bossidy, o melhor que já li sobre o assunto.