Black Friday correndo na esteira

e o feed de ofertas sem fim

O marketing mais efetivo é o que causa desconforto. Ele incita o cérebro inativo a um frenesi neurológico

Steven Bartlett

Quase sempre que viajo, tenho um impacto na minha rotina de esportes. Uma das principais é que a corrida quase sempre é mudada da rua para a esteira.

No Airbnb que fiquei dessa vez a esteira era virada para a parede. Na parede tinha uma ficha com a lista de datas de manutenção dos equipamentos, nada mais. Essa foi a minha vista por 35 minutos e 7 quilômetros.

Com menos de 5 minutos aquela parede não significava mais nada, meu cérebro abstraiu a lista e simplesmente segui correndo.

De certa forma, meu cenário de corrida parecia meu feed de Instagram nos últimos dias onde só existia uma coisa para ver: Black Fridays.

O mês (ou meses) que antecedem a Black Friday passaram a me lembrar uma corrida na esteira: você faz bastante esforço, tenta se distrair e testar coisas diferentes, mas está sempre vendo a mesma coisa.

Recebi muitas perguntas essa semana sobre como estava o desempenho das campanhas (estamos acompanhando 18 por aqui).

A realidade é que a taxa das pessoas que se inscrevem para conhecer a oferta das empresas caiu de forma muito significativa frente ao ano passado.

Ano passado era comum vermos taxas de inscrição de 30-40%, ou seja, a cada 10 pessoas que entravam em uma página de convite para uma oferta, 3 a 4 deixavam seus dados de contato para receber em primeira mão.

Esse ano esse número está inferior a 20%. Em alguns casos, inferior a 10%.

De quem ou do que é a culpa?

A cada ano os anúncios ficam mais criativos (ok, alguns mais repetitivos), as ofertas ficam mais agressivas, o senso de urgência é cada vez mais invocado e, mesmo assim, as taxas de inscrição antes do evento tendem a cair. 

Não é crise, é (só) saturação de canais e de discursos, um fenômeno chamado habituação.

Quando esse fenômeno está relacionado a palavras, discursos ou frases, ele recebe o nome de saciedade semântica.

Ela é caracterizada pela repetição de determinada palavra (“promoção”, “imperdível”, “últimas vagas”, “ao vivo e gratuito”) tantas vezes que o seu significado (o que as pessoas interpretam disso) fica vazio. Em outras palavras, ela perde o efeito.

Sabe quando você toma tantas vezes o mesmo remédio que ele para de funcionar e você precisa aumentar a dose ou trocar o remédio? O efeito é o mesmo.

E perceba que eu não falei que os resultados de venda estão piores, as pessoas só estão menos interessadas em se inscrever para receber a oferta em primeira mão, mas elas seguem comprando.

Na corrida, a esteira te “rouba” o prazer da observação. 

Para o corpo é até mais fácil. 

Velocidade e inclinação contínuas equivalem a menos desgaste, mas a cabeça sofre por ter que ver o mesmo ponto fixo por minutos (ou horas) a fio. Na rua, o terreno muda, o vento muda, o olhar muda — e você aguenta mais tempo no ritmo. 

No marketing, acontece igual: quando tudo parece igual, a mente do cliente desliga antes do dedo clicar.

A habituação e a saciedade semântica 

De forma bem direta, a habituação é o processo pelo qual a resposta a um estímulo cai conforme ele se repete. É adaptativo: o cérebro economiza energia ignorando o “mais do mesmo”.

Saciedade semântica é uma versão linguística disso: repetir a mesma palavra/ideia tantas vezes em sequência provoca perda temporária de sentido. A palavra vira ruído.

No mundo de marketing digital, tivemos alguns desses casos: “vou te ensinar tal coisa em uma série de 3 aulas online e gratuitas”, “vagas limitadas”, “fica até o final do vídeo para descobrir”, “já vai deixando o like e se inscreve no canal” e por aí vai.

E existe um ciclo muito claro do porquê essas frases deixam de funcionar. O ciclo funciona assim:

  1. Novidade/Diferencial: alguém cria um padrão que poucos ou ninguém está usando → alto impacto.

  2. Comoditização: todo mundo imita → o impacto vira padrão.

  3. Cansaço: parte do público antecipa o que está por vir → a atenção e o efeito no resultado caem.

  4. Repulsa: o mesmo “sinal” dispara fuga → não funciona mais (ou até “queima” a marca).

A mudança de 3 para 4 demora bastante para acontecer, porque o público renova bastante, mas a mudança do 1 para o 2 está cada vez mais rápida.

Quando alguém mais conhecido começa a usar uma abordagem diferente, poucos dias depois o feed da rede social está tomado de postagens iguais.

Isso exige que você seja cada vez mais criativo para que sua mensagem se destaque  no meio de tantos “conteúdos iguais”. 

Você precisa se esforçar cada vez mais para produzir o mesmo efeito — e isso tem custo (de mídia, de marca, de tempo e de paciência do público).

O impacto disso no seu marketing 

Talvez você pense que o momento de agir é quando o ciclo está no início do momento de cansaço, quando a performance ainda não caiu tanto.

Isso é o que muitas pessoas fazem, começou a cansar então começa-se a pensar em alternativas.

Mas se o processo é um ciclo, você já sabe que, se virou commodity, vai cansar.

E, se você sabe que tudo que vai bem vira commodity cada vez mais rápido, o seu momento de agir é quando começarem a copiar.

Ou até melhor, não parar nunca de buscar novas variações. É isso que vai te trazer uma chance de sair na frente.

Caso você não queira ser o líder ou o primeiro a agir, tudo certo. Só é importante se certificar que o seu mapeamento de tendências está em dia, para poder colher resultados antes que as pessoas se cansem daquela abordagem. 

Lendo sobre o assunto, um conceito apresentado me fez entender o motivo de agirmos de forma a passar a ignorar mensagens repetitivas.

Nossos antepassados desenvolveram a capacidade de ignorar informações que não consideramos relevantes para podermos focar em informações novas e incomuns para garantir nosso bem-estar e sobrevivência.

Seguimos fazendo isso inconscientemente, porém não mais com tigres ou outros animais que poderiam nos atacar ao sairmos da caverna, mas com os milhares de conteúdos que “scrollamos” todos os dias nas redes sociais.

O novo e o diferente salta aos olhos, se destaca. 

Se você perceber as últimas ações que funcionaram no marketing, vai ver que elas quebraram o padrão cansativo anterior.

Marcas passaram a anunciar online (trazendo uma nova dinâmica de anúncios para as pessoas), depois tivemos a explosão dos influenciadores: além das marcas falarem de si, outras pessoas falavam delas, depois UGC, etc...

Cada vez que o estímulo tem uma variação positiva, o resultado salta.

Como “desabituar” sua audiência

Tem um framework bem interessante que nos ajuda a avaliar nossas ações na parte de marketing.

Ela vai avaliar a familiaridade do tema abordado junto da novidade do formato.

Matriz Familiaridade de Tema x Novidade de Formato

  1. Tema Familiar + Formato FamiliarZona de risco de cansaço. Evite usar muito ou a audiência pode perder o interesse e você sofrer o efeito de saciedade semântica.

  2. Tema Familiar + Formato NovoZona de conforto do público, você fala do que ele quer ouvir, em um formato que chamará atenção.

    Sabe a propaganda da Coca Cola no final de ano? Tenho certeza de que algumas versões vieram a sua cabeça agora. Você sabe que vai ter, sabe que será incrível, mas não sabe como será entregue

  3. Novo Tema + Formato FamiliarZona de credibilidade. Introduz novas ideias em um formato que a audiência está acostumada, bom para testar novos temas.

    Novelas operam basicamente nessa lógica, o público já é treinado no formato, você só muda o tema e segue entregando e ganhando a atenção do público.

  4. Novo Tema + Novo FormatoZona de teste. Pode funcionar muito bem e mostrar um novo caminho que ninguém viu ainda, ou pode ter zero impacto. Use com moderação (mas não deixe de usar).

Copiar ou adaptar o que funciona para os outros pode ser um caminho seguro sim, mas tem teto. Testar variações junto a abordagens seguras pode ser justamente o que te faz romper o teto.

Sua audiência agradece.

Quero deixar claro alguns pontos.

Não estou falando que você precisa “matar” táticas cansadas que ainda dão resultado. Cansar não é parar de funcionar. 

Também não estou falando que todas as empresas devem ser pioneiras na geração de conteúdos, campanhas de marketing e não devem usar formatos que outras já estão usando.

Esse é apenas um aviso que com o uso excessivo do mesmo estímulo faz o custo de manter sua audiência atenta subir enquanto a tolerância da sua audiência cai e a percepção de marca pode correr riscos. 

Quem age no cansaço (ou antes dele) ganha o prêmio da transição: estabilidade de curto prazo + vantagem de médio prazo.

Seu momento de refletir

- Quais sinais do seu marketing já viraram “paisagem de esteira”?

- O que você pode manter igual (essência) mudando a forma já nesta semana?

- Se um cliente lesse sua oferta com olhos de 2021, o que ele diria? E com olhos de 2025?

Espero que tenha curtido o percurso de hoje.

Grande abraço e até a próxima milha,

César Mazzillo

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Dados no Cotidiano

Vamos gerar dados em tempo real?

Nosso objetivo é experimentar a saciedade semântica em casa (em 60 segundos).

Pegue a palavra “promoção”. Fale em voz alta, compassadamente, 30 vezes. Em algum ponto entre a 20ª e a 30ª repetição, seu cérebro vai “descolar” o som do significado.

Agora abra seu e-mail, vá na barra de buscas e procure pelos termos “promoção”, “só hoje”, “oferta”. Em um minuto selecione  quantos e-mails você recebeu com cada um desses títulos nos últimos 30 dias. Some as ocorrências e reflita se aquilo realmente vai chamar a atenção para você ou caso você escreva algo com esse título. Se puder me mande o número de vezes – o meu foi:

  • “Promoção”: 98 e-mails

  • “Só Hoje”: 132 e-mails

  • “Oferta”: 402 e-mails

Isso que eu não estou inscrito em muitas empresas...

Se você quiser seguir na brincadeira, abra seu Instagram e role o feed por 1 minuto contando quantos anúncios de Black Friday você recebeu (eu contei 25, passando rápido). Agora pense quantos de fato chamaram a sua atenção. Lembre-se que, se você anuncia online, a pessoa que receber seu anúncio vai fazer exatamente isso, mas sem o fim de estudo (ou seja, a atenção dela estará menor).

Como esperar atenção plena quando a pessoa já “chegou na 25ª repetição” antes do seu criativo aparecer?

Se quiser transformar em dado para entender ainda mais o impacto, repita o teste em três dias/horários diferentes e tire a média de ocorrências por minuto do seu feed. Esse é o nível de ruído contra o qual você compete.

Vá uma milha a mais

Enquanto algumas ideias grudam, outras simplesmente desaparecem antes mesmo de nascer. É sobre isso que o livro Made to Stick fala: por que algumas ideias “colam” enquanto outras evaporam.