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O que está nas entrelinhas...
é o que diferencia o bom do ótimo
“O que não pode ser medido, não pode ser gerenciado”
E o que é medido e interpretado errado é gerenciado errado – esse que vos escreve.
As próximas linhas contêm doses não tão pequenas de acidez.
Essa semana escrevi ao JP, CEO da Hotmart e escritor do livro que recomendei na News passada (Entre Ruínas e Reinos), um depoimento sobre o que achei da obra.
Destaquei algumas coisas que para mim se destacaram no estilo de escrita do livro, sendo uma delas a beleza do que não estava escrito, mas escondido nas entrelinhas.
Essa foi parte da resposta dele: “Fiquei muito contente com o seu feedback, especialmente com o fato de você ter prestado atenção nas entrelinhas. Acredito que é uma história muito mais rica se você explorar as nuances por trás da trama!”
A verdade é que a grande riqueza dos livros normalmente mora não na sua simples leitura, mas sim na interpretação e reflexão do que está nas entrelinhas.
Esse é um dos motivos de pessoas diferentes tirarem lições e valores diferentes dos mesmos livros. O quanto você absorveu do que não estava escrito.
A mesma regra vale para análises de dados.
Imagino que você já ouviu algumas vezes sobre o termo “entrelinhas” para falas e textos, mas deve ser a primeira que vê alguém sugerir que isso também se aplica a dados.
Assim como um bom livro, uma boa análise te mostra o que está descrito, as interpretações sobre aquilo que está descrito e a visão do que não está descrito, mas pode ser deduzido.
Essas últimas duas partes são as “entrelinhas” das análises.
Não fui eu quem inventou isso.
Isso é análise lógica, foi inventada por Aristóteles (antes de Cristo) e aperfeiçoada por Descartes nos anos 1600.
A base é que diante de um fato (dados descritos), isso precisa gerar uma análise (a sua interpretação) e, a partir disso, uma síntese (a conclusão coerente).
E você pode imaginar que, na grande maioria das vezes, o que realmente vai fazer a diferença não está no descrito e sim na sua correta interpretação.
Depois de 15 anos trabalhando com dados, pude perceber que isso não é o que as pessoas pensam.
O consenso entre a maioria parece ser que basta ter os dados em um painel que tudo vai se resolver. Não vai.
Ou você tem alguém que saiba de fato interpretar o que está descrito e implícito, ou vai tomar decisões erradas.
Essa construção vem em cima de uma conversa que tive há algum tempo analisando dados com uma empresa.
Em um período de muitas campanhas sendo planejadas por causa da Black Friday, acredito que ela valha ser compartilhada.
A empresa em questão tinha apenas um produto, o ticket era baixo, menos de R$ 300.
O seu público-alvo tinha maior concentração em pessoas de menor renda (assim como é o Brasil).
Sua mecânica de vendas era via campanhas de abertura de vendas (lançamentos, para quem é do mercado digital), nas quais eu primeiro capturo interessados, faço uma live de divulgação e faço a oferta do produto no final.
A empresa tinha uma boa audiência orgânica e usava tráfego pago (anúncios online) para alcançar mais pessoas e gerar mais vendas.
Isso funcionou muito bem anos atrás. Mas no final do ano passado começou a funcionar cada vez menos, até o ponto de o investimento em mídia dar prejuízo.
Fizemos uma reunião para avaliar os resultados e planejar a próxima campanha.
Mostramos os dados: o lead estava cada vez mais caro (é normal, está mais caro para todos), a conversão caía mesmo com esforços de melhoria de criativos, fluxos e oferta (também tem sido um comportamento observado em muitas empresas).
Antes que pudéssemos apresentar a conclusão, uma pessoa da reunião bradou:
“A estratégia tá errada! Isso só está acontecendo porque a gente foca só no público mais quente e com perfil melhor de renda. É só a gente escalar para o público frio que o lead fica mais barato e a gente volta a faturar muito”.
A certeza e confiança daquela frase surpreendeu a todos na reunião.
A pessoa então continuou: “Estamos com o time de dados aqui, é fácil, só calcular aí pra mim. O produto custa R$ 250, pega a conversão do público frio que a gente tem de base e me diz quanto que podemos pagar o lead para ter um relação de investimento x retorno (ROI) de pelo menos 3.”
“R$ 0,80 centavos.”. Essa foi minha resposta, de forma bem seca como você pode imaginar.
Então, a pessoa disse “R$ 0,80 centavos!? Mas é impossível pagarmos isso!”
Quando corria hoje lembrando da história, essa foi a imagem que veio a minha cabeça para ilustrar a situação:

Antes que pudesse responder, a pessoa seguiu:
“Esses dados, então, não me mostram nada, não me mostram o que precisa ser feito. Esses dados aí não servem pra nada.”
Eis que eu respondo: “Na verdade, pessoal, o problema é que não se está sabendo interpretar o dado e tirar a conclusão correta.”
A conclusão que apresentamos, na época, foi a seguinte:
O que os dados nos mostram é que buscar todo o lucro na primeira aquisição não é mais um negócio viável dado o aumento de custo e a queda de conversão pela situação econômica do país.
A gente precisa:
Ou captar os leads sabendo que eles não vão converter de primeira (o que implica criação de comunicação entre os períodos de venda, relacionamento em canais que não precisemos pagar novamente para falar com a pessoa e uma estratégia de conversão de mais médio/longo prazo)
Ou aumentar as ofertas na nossa esteira de produtos para que o valor que podemos captar por cliente supere os R$250, assim podemos pagar mais caro na aquisição. Aliás, se não fizermos isso, o negócio vai se inviabilizar em alguns anos, porque o custo de aquisição só aumenta e o máximo de retorno que eu posso ter fica fixo. As curvas se aproximam, o lucro diminui e o negócio quebra.
Nossa sugestão foi fazer ambas as ações na verdade.
Foram os mesmos dados que olhamos.
A diferença é que uma pessoa olhou apenas para o que estava escrito e nós olhamos para o que o dado mostrava nas entrelinhas, fizemos de fato uma análise e conseguimos chegar em uma conclusão que de fato tinha chance de sucesso (não estou afirmando que funcionaria, ou isso seria cagar regra).
Explicando a lógica caso você tenha despertado o seu interesse:
Análise 1: As conversões baixas, aliadas ao ticket baixo do produto e o retorno desejado nos mostraram que atingir os objetivos no primeiro contato se tornaria cada vez mais difícil.
Se reduzíssemos muito o público alvo focando em quem tinha perfil de conversão, o lucro também começaria a diminuir por questão de volume e teríamos cada vez menos base de clientes.
Síntese 1: Logo, precisávamos mudar as metas de lucratividade no curto prazo para ter números e custos viáveis de serem perseguidos (ou seria como trabalhar com um referencial figurativo).
Para melhorar a forma de acompanhamento do resultado, precisávamos adicionar novas análises a partir dali para avaliar se a nova estratégia de comunicação e conversão de mais médio/longo prazo estava funcionando.
Análise 2: O lucro de uma venda é composto por duas grandes variáveis: quanto eu paguei para adquirir o cliente e quanto o cliente me pagou ao longo do tempo. O meu custo só subia e o meu valor potencial captado era fixo, não tinha como funcionar daquele jeito.
Síntese 2: Logo, eu precisava aumentar o potencial de receita gerada pelos clientes ao longo do tempo.
A melhor forma de fazer isso é aumentando o leque de ofertas que eu posso fazer para ele, seja via produtos complementares, produtos de aperfeiçoamento e/ou produtos que acelerem o resultado.
Se desenharmos algo a ponto do valor ao longo do tempo crescer mais rápido que o custo, voltamos a ter um negócio bastante lucrativo e com bom potencial de crescimento.
De um lado uma conclusão de “não tem o que fazer”. Do outro, um plano baseado no princípio da lógica e da interpretação dos mesmos dados.
A diferença foi saber ler o que estava nas entrelinhas.
Aliás, muitas vezes, a diferença entre tirar um resultado útil de um livro, análise ou conversa reside em saber interpretar o que está nas entrelinhas.
Já que começamos com uma frase de Deming comentada, vamos terminar com outra.
A sua frase mais famosa é: “Sem dados, você é apenas mais uma pessoa com uma opinião.”
Me dou a liberdade de complementar essa lenda dos negócios: “Com dados mal interpretados, você é apenas mais uma pessoa que, com certeza, está errada.”
Lembre-se disso:
Dados mostram o que aconteceu.
Interpretação mostra o que está acontecendo.
Síntese mostra o que deve acontecer.
Seu momento de refletir
- Você tem observado as entrelinhas dos seus livros, conversas e análises?
- Consegue enxergar aquilo que não está escrito, mas sim precisa ser deduzido?
Espero que tenha curtido o percurso de hoje.
Grande abraço e até a próxima milha,
César Mazzillo
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Dados no Cotidiano
A estatística que “matou” o colesterol
Nos anos 1980, um estudo indicou que países com maior consumo de gordura saturada tinham mais casos de doenças cardíacas.
O problema é que o autor usou informações apenas de 6 dos 22 países que tinham dados disponíveis e tirou sua conclusão, ou seja, fez a síntese.
Quando os outros 16 países foram incluídos na análise, a correlação praticamente desapareceu, sugerindo que o que de fato causava os problemas eram outros hábitos mais concentrados nos 6 países iniciais.
Por que esse caso é tão simbólico para nós:
Os dados originais eram verdadeiros.
A interpretação (ou recorte) foi enviesada.
As decisões baseadas nisso tiveram impacto global por décadas.
Ou alguém não leu as entrelinhas ou as escondeu de propósito...
Vá uma milha a mais
Quero te propor uma milha extra diferente dessa vez, um exercício.
Sei que poucas pessoas vão fazer (e é por isso que poucas pessoas têm resultado de fato, mas enfim...).
Pegue algum dos últimos livros que você leu e gostou.
Releia alguns trechos sublinhados e procure por aquilo que não está escrito literalmente, mas está implícito. Reflita sobre e anote.
Depois, faça o mesmo com o último relatório de dados da sua empresa.
Me conte o resultado, vou gostar muito de saber.