Por que as empresas falham?

Do que ou de quem será a culpa?

Recebi essa pergunta de um amigo essa semana.

Ele me mandou um trecho sobre o assunto de um livro que está lendo (será recomendação da milha a mais inclusive) e perguntou minha opinião.

Dei uma resposta de bate pronto para ele na hora (vou trazê-la logo abaixo), mas fiquei muito reflexivo sobre o assunto. 

Um belo tema para investir um tempo pensando, por sinal.

Para ganhar mais material para refletir em cima, fiz essa pergunta no meu Instagram para saber a opinião das pessoas.

Duas coisas me chamaram a atenção:

1 – Todos que me responderam, interpretaram o termo “falha” como a empresa quebrar.

2 – Todos me trouxeram motivos “técnicos” para a falha:

- “Não geriram bem o caixa da empresa”

- “Não conseguiram executar o plano”

- “Não tiveram conhecimento suficiente para dar o próximo passo”

- “Não conseguiram contratar as pessoas corretas”

- “Não conseguiu se adaptar às mudanças de mercado”

E por aí vai...

Ler aquilo foi muito importante para meu processo de reflexão.

Primeiro, me fez expandir um pouco mais a visão de falha.

Falhar não significa quebrar, embora talvez as pessoas só considerem falhar quando realmente não tem mais volta.

A meu ver, uma empresa falhar pode ser muitas outras coisas: subverter seus valores, não valorizar as pessoas que contribuíram para ela crescer, não cumprir com a sua palavra, não se preocupar com os seus clientes...

Para mim, falhar, nesse contexto, é esquecer porque aquela empresa nasceu em um primeiro momento, com qual mentalidade, com qual visão.

No momento que isso se perde, o fim do caixa é consequência da falha, não a causa em si.

Causa e consequência, uma das técnicas mais poderosas de análise de dados e que se aplica em muitas outras coisas, inclusive, processos reflexivos.

Usei a mesma abordagem para refletir sobre o “porquê” de as falhas acontecerem e sobre o motivo de todo mundo me narrar fatores “técnicos”.

Seriam eles a causa de fato ou seriam eles apenas “sintomas”?

Eis que cheguei à segunda visão sobre o assunto: empresas nunca falham por questões técnicas, é sempre por fator humano, é sempre um problema de comportamento.

Se a empresa não soube gerir o caixa ou não conseguiu entregar o plano, provavelmente faltou alinhamento, faltou comunicação, faltou buscar mais conhecimento, faltou ação.

E tudo isso está vinculado ao nosso comportamento, não às nossas habilidades técnicas.

O efeito técnico é consequência de uma (ou muitas) falhas de comportamento.

Uma história que exemplifica muito isso é o caso da entrevista do Steve Ballmer, ex-CEO da Microsoft, quando o iPhone foi lançado.

Após uma risada, ele afirmou categoricamente: “O iPhone não tem nenhuma chance de obter uma fatia significativa do mercado.”

O desfecho você conhece...

Ballmer tem uma trajetória impressionante, mas, nesse caso, ele deixou o excesso de confiança, a arrogância e o ego falarem mais alto.

Não foi problema técnico, não foi problema de mercado ou fatores externos. Foi uma questão comportamental.

Ele falhou, a Microsoft falhou e pagou um preço alto. 

Como você bem sabe, a empresa não quebrou. Aliás, ela segue uma das empresas mais valiosas do mundo - em muitos momentos a maior.

Mas, o desfecho poderia ser outro, como o famoso caso da Kodak, que liderou o segmento de fotografia por décadas e sumiu do mapa com o avanço da tecnologia.

O que diferenciou os dois casos, novamente, não foi uma questão técnica ou de conhecimento, foi o comportamento, foi como as empresas reagiram a isso.

Claro que algumas das consequências do comportamento são ganho de conhecimento e capacidade técnica.

Um outro amigo me mandou a foto de um livro de Ishikawa (um autor japonês que estudamos juntos na faculdade de Eng. de Produção).

O título do capítulo: “Por que falhamos?”.

A resposta do autor:

(a) Não colocamos as metas certas (ou não definimos nossos problemas de forma correta).

(b) Não fazemos bons Planos de Ação, seja porque desconhecemos os métodos de análise, seja porque não temos acesso às informações necessárias (falta conhecimento técnico).

(c) Não executamos completamente, e a tempo, os Planos de Ação.

(d) Podem ocorrer circunstâncias fora de nosso controle.

Novamente, questões técnicas. Aí juntei isso com outra técnica japonesa (que até já falei por aqui e comecei a elencar mais “porquês” a título de exemplo).

  • Por que não colocamos as metas certas?

    • Porque não analisamos os números corretamente…

  • Por que não analisamos os números corretamente?

    • Porque o time não tinha conhecimento suficiente de análise…

  • Por que o time não tinha conhecimento de análise?

    • Porque não investimos em dados e inteligência…

  • Por que não investimos em dados e inteligência?

    • Porque achávamos que já sabíamos o suficiente (estávamos acertando)…

  • Por que achávamos que sabíamos o suficiente?

    • Porque fomos arrogantes e deixamos o ego falar mais alto... ou...

  • Por que estávamos acertando antes?

    • Porque estávamos estudando mais, testando mais e aprendendo mais.

Você pode colocar quantos porquês você quiser, você vai acabar em um motivo comportamental, seja para um caso negativo, seja para um caso positivo.

Claro que eu citei aqui apenas um exemplo forçado, mas a tendência é o motivo sempre girar em torno de as lideranças e os times não terem os comportamentos necessários para a empresa crescer.

E por que estou escrevendo sobre esse tema?

Bom, eu gosto de escrever sobre minhas reflexões, mas mais do que isso: eu quero que você procure sintomas de falhas e faça o mesmo exercício. 

Seja na sua empresa, seja na empresa em que você trabalha.

Encontre a causa raiz, encontre os comportamentos que estão levando a isso. Atue ali, seja mudando o seu próprio comportamento, seja incentivando o seu time.

Não tenha medo de desagradar o seu time ou o seu líder, ou as consequências podem ser muito piores.

Pela pergunta de um amigo, consegui fazer um processo que julguei muito rico para o futuro da Witly e para documentar cuidados que preciso ter. 

Quem sabe não pode ajudar você também?

Seu momento de refletir

- Existe algum objetivo que você não está conseguindo alcançar? Qual a causa raiz?

- Sua empresa tem sintomas que podem levar a falhas? Qual a causa raiz?

Espero que tenha curtido o percurso de hoje.

Grande abraço e até a próxima milha,

César Mazzillo

Para quem tem curiosidade, minha resposta sem antes parar para refletir está na íntegra aqui:

“Minha leitura de motivos (tentando chegar na causa raiz do problema): 

Sintomas: 

- Baixo investimento no time 

- Baixo investimento em dados e em trazer uma cultura orientada a dados (mas não dominada por eles) 

- Centralização de decisões relevantes, mas delegação de metas e responsabilidades (gera uma incoerência no trabalho x resultado / responsabilidade x meritocracia) 

- Perda de Cultura e de desempenho do time 

Principais causas raiz a meu ver para esses sintomas: 

- Ego: talvez seja uma coisa que leva à ignorância que tu comentou no texto e aos outros fatores citados, mas o fato da pessoa não reconhecer que talvez ela não saiba tudo ou não entender que o que fez ela acertar antes não vai necessariamente fazer ela acertar pra sempre ou ainda que se eu trouxe pessoas relevantes para a empresa eu preciso fazer elas terem voz e progredirem com a empresa ou elas irão deixar de performar ou sair;

- Liderança fraca: aqui a pessoa até pode não ter problemas de Ego, mas ela tem medo de desagradar as outras e não consegue ser sincera quanto ao que pensa, passando pano para algumas coisas que vão levando o time ao comodismo”

Dados no Cotidiano:

Vamos a algumas estatísticas relacionadas ao tema?

“De acordo com a Gallup, a má liderança é uma das principais razões pelas quais os funcionários deixam seus empregos. Em uma pesquisa global, eles descobriram que 50% dos funcionários entrevistados deixaram um emprego para escapar de um gerente ineficiente ou incompatível.”

Ou seja, os funcionários, em geral, estão incomodados com os seus líderes.

“Segundo uma pesquisa da empresa Leadership IQ, líderes ineficazes podem custar às organizações até 7% de seus lucros. Esse estudo analisou mais de 4.500 executivos e descobriu que 46% dos novos líderes falham em seus papéis dentro dos primeiros 18 meses, principalmente devido à problemas comportamentais.”

Ou seja, é possível que os funcionários estejam incomodados com razão e o índice de prejuízo gerado e falha de lideranças é muito relevante.

Mas precisamos ler o outro lado também...

De acordo com a Harvard Business Review, “apenas 21% dos líderes afirmam que suas equipes são “muito eficazes” em executar a estratégia da empresa.”

“56% dos líderes de empresas afirmam que o maior desafio na liderança hoje é lidar com a falta de senso de responsabilidade dos funcionários” de acordo com a pesquisa Future of Work Trends 2023 da Gartner

Então, temos problemas gravíssimos desse lado também. 

As estatísticas nos mostram que se falarmos com dois trabalhadores, a chance é grande de que pelo menos um deles esteja insatisfeito ou com sua liderança ou com seus liderados...

Minha grande dúvida é se essas pessoas conversam... se oferecem feedbacks como chance de melhoria...

Mais uma vez voltamos à questão do efeito do nosso comportamento nessas estatísticas. Será que realmente estamos fazendo algo para mudar esse cenário ou nos acostumamos a reclamar de tudo e colocar o problema em qualquer lugar menos na gente mesmo?

Vá uma milha a mais: 

O texto que originou essa reflexão é um trecho do livro “O Diário de um CEO”, recomendado por um amigo e que agora vira também recomendação da milha a mais dessa semana.