Quando atacar o mensageiro

A expressão original “não mate o mensageiro” vem da Grécia Antiga quando era muito comum, em momentos de guerra, generais enviarem mensagens aos inimigos. Ao ver a realidade da situação, o inimigo descontava a raiva no mensageiro e o matava.

Um ponto que, desde lá, segue verdade é: matar o mensageiro nunca mudava os fatos – só impedia a chegada de novas informações.

Como é bom estar de volta à corrida, as ideias fluem muito melhor do que na bicicleta. E, hoje, finalmente chegou o momento de fazer um treino “normal”, testar se a recuperação está boa realmente.

Cidade vazia por causa do carnaval, temperatura ótima, as condições perfeitas para a primeira corrida “de verdade”. Me surpreendi com o resultado, fui melhor do que esperava (ainda longe dos tempos áureos), cansei menos do que as corridas/caminhadas de durante a semana e voltei a completar 5 milhas (8km) depois de bastante tempo.

Os dados do meu relógio e do meu corpo, os mensageiros da história, trouxeram a mensagem que eu queria ler. Aparentemente, eu estava recuperado. Mas... e se a corrida não tivesse ido bem? E se eu tivesse sentido dores fortes?

Será que eu receberia os mensageiros de braços abertos como o fiz?

Ou será que tentaria atacá-los e achar “culpados” externos quando provavelmente o problema era eu?

Essa reflexão vai guiar nosso percurso de hoje. Afinal, quando eu devo atacar o mensageiro?

O ditado diz que nunca, mas nossa situação atual criou um tipo de mensageiro que talvez mereça sim ser atacado.

Esse é o mensageiro que não tem compromisso com o que está falando, que gosta de cag*r regra para alimentar seu ego, que aumenta números para parecer melhor do que é, que traz apenas a parte conveniente dos dados e esconde os problemas e que, no fundo, não está nem aí para você. Esse é o mensageiro do mal.

O problema é que esse mensageiro tem a habilidade de falar o que você quer ouvir. E você, sem perceber, o convida para tomar um café na sala da sua casa, concorda com o que ele diz (afinal muitas vezes ele está reforçando suas crenças) e sai aplicando o que foi conversado ali sem racionalizar e trazer para o contexto.

Agora, o mensageiro do bem, que traz os fatos e dados e que mostra muitas vezes um problema, uma falha ou algo que precisa ser ajustado, é atacado.  Deveria ser ao contrário 

A ação de muitas pessoas é criticar esse tipo de mensagem e o seu mensageiro, mas eles só estão portando fatos. As pessoas querem resolver o problema “fora”, enquanto o problema está, na maioria das vezes, “dentro”.

Não sei se por ego, por desconhecimento ou por pressa. Mas a pessoa deveria se perguntar frente aos fatos o que ELA poderia fazer de diferente. Só que isso dói, isso demora, é incômodo, sai da zona de conforto.

O mensageiro do mal sempre vai ter uma solução mais fácil.

Lembro do caso de um cliente, muito meu amigo, que estava com dificuldade nos seus resultados. Uma situação que, naquele momento, me deixou incomodado e, hoje, me faz escrever esse texto. Não quero que você confunda os mensageiros do bem e do mal.

Voltando ao caso do meu amigo...

Para tentar achar caminhos para o problema, ele se inscreveu em uma mentoria direcionada de uma pessoa bem conhecida no mercado de infoprodutos (uma pessoa que divide bastante opiniões, por sinal). Vamos chamá-lo de “guruzinho” aqui.

A conversa entre ele e o meu amigo foi a seguinte:

Guruzinho: “Quanto você investiu em tráfego pago nas últimas 3 campanhas?”

Meu amigo: “150 mil, depois 120 mil e depois 80 mil, temos reduzido porque os dados têm mostrado que o tráfego está dando muito prejuízo e essas pessoas não compram depois”.

Guruzinho: “E tá voltando quanto?”

Meu amigo: “O primeiro foi 350 mil, depois 240 mil e depois 150 mil, mas boa parte do retorno vem dos canais orgânicos pelo que medimos”.

Guruzinho: “Tá aí o problema, vocês têm retorno positivo e tão reduzindo investimento? Não faz nenhum sentido, tu tá sendo medroso. Tem que investir forte, pelo menos 300 mil. Vai investir 300 mil e vai voltar 600 mil.”

Ele me trouxe essa situação e eu respondi prontamente que era loucura frente aos dados que tínhamos. Absolutamente nada indicava que aquilo poderia dar certo. 

Além disso, caso não desse certo, a empresa ficaria em uma situação de caixa muito delicada.

Mas o guruzinho tinha nome no mercado e conseguiu entrar na cabeça do meu amigo. Fizeram um empréstimo e investiram 300 mil no lançamento. Faturou 160 e eles tiveram um prejuízo de mais de 150 mil reais. Fora a dívida que ficaram do empréstimo.

Esse é o tipo de mensageiro que merece ser atacado, e bem atacado.

O contexto estava ali, meu amigo levou as informações necessárias. Mas ele preferiu pagar de “bonzão”. Zero compromisso com o resultado do meu amigo. Arrogância, ego inflado.

Para quem, como eu, trabalha com consultoria faz mais de uma década, esse tipo de irresponsabilidade é inadmissível.

Claro que tem exemplos contrários e positivos. No Mastermind que frequento, pude presenciar um dos membros trazendo a situação para um dos donos do grupo. A primeira coisa que ele fez foi encher a pessoa de pergunta. Ganhar contexto.

Só assim ele conseguiria trazer uma visão mais apurada ou até dizer “não sei se consigo te ajudar com isso frente ao meu conhecimento”. Humildade. É com esse tipo de gente que quero andar.

Não vou dizer que acertamos todas as vezes, mas é o que sempre tentamos fazer quando estamos aconselhando algum cliente na Witly. Ganhar contexto e trazer os dados e fatos.

E mesmo assim, se tem uma coisa que já vi acontecer inúmeras vezes é gente rejeitando um dado porque ele desmente a narrativa confortável que queriam acreditar.

  • "Esse relatório está errado, nossa campanha não pode estar performando tão mal assim."

  • "Esses números não fazem sentido, eu sempre tive bons resultados desse jeito."

  • "Isso aqui tá enviesado, não pode ser que nosso churn tenha aumentado tanto."

O problema? 

O dado segue sendo verdadeiro. E ignorá-lo não muda a realidade.

Isso acontece porque a verdade incomoda. Ela exige mudança, exige esforço. Enquanto isso, as frases soltas, as opiniões rasas e os palpites convenientes vêm embalados de um jeito muito mais palatável.

O problema? 

Quem está do seu lado para apontar dados e tendências quer que você melhore. Quem só dá pitaco descompromissado não tem nada a perder com a sua decisão errada.

Aprendi ao longo da minha jornada de consultor que existem dois grupos de profissionais. E  isso também se aplica aos médicos, advogados, psicólogos, educadores, etc...

Existem os profissionais corretos, que falam o que precisa ser dito, independente do que isso pode gerar de impacto negativo no seu resultado, seja no contrato, seja na sequência de um projeto, seja na permanência de um paciente todas as semanas. 

A gente, por exemplo, já aconselhou um cliente a nos desligar porque ele precisava ajustar outros pontos antes de trabalhar os dados. Um contrato de 6 dígitos, mas era o certo a se fazer.

Só que, do outro lado, existem os profissionais tidos como “bons”. Aqueles que só falam o que o cliente/paciente quer ouvir, que “ensaboam”, que ficam “puxando saco”, que ficam tornando o cliente cada vez mais dependente de si, só pensando no retorno financeiro que isso trará.

Nos dias de hoje, quem você acha que mantém um contrato por mais tempo? 

Mas pense comigo: quem você acha que gera mais resultado?

Como disse, Thomas Sowell: “Quando você quer ajudar as pessoas, você diz a verdade. Quando você quer se ajudar, você diz a elas o que querem ouvir.

Cuide com os mensageiros e com as mensagens que chegam até você. Separe os fatos e dados das opiniões e dos pitacos e veja o que de fato você deveria fazer. Olhe para dentro antes de olhar para fora.

Lá na Grécia antiga, as guerras eram travadas com armas, se eu queria ter poder sobre alguém, tinha que conquistar com a guerra ou pelo medo da guerra.

Hoje, as armas mais utilizadas são as palavras. E elas são muito mais poderosas em manipular uma pessoa. Em uma guerra com espadas e escudos, você sabe quem é inimigo e quem é amigo. Em uma guerra com palavras, não.

Dessa vez os números me deram boas notícias. Mas e quando eles trouxerem um alerta?

Eu posso escolher ignorá-los, inventar desculpas ou culpar o relógio.

Ou posso usar os dados para corrigir o que for preciso e continuar evoluindo.

Nos negócios, a lógica é a mesma. Você pode brigar com os números. Pode desmerecer os insights e atacar o mensageiro.

Ou pode escolher encarar a realidade de frente e tomar decisões melhores.

O caminho que você escolhe diz muito sobre onde você vai chegar.

Da próxima vez, convide os dados para tomar um café e mande o guruzinho para aquele lugar. 

Espero que tenha curtido o (polêmico) percurso de hoje.

Grande abraço,

Mazzillo

Dados no Cotidiano: Brasileiro, um povo desconfiado (e inconsistente).

Em uma pesquisa recente da Reuters Institute apontou que 48% dos brasileiros confiam nas notícias que leem regularmente.

No entanto, uma pesquisa da FGV apontou que apenas 29% dos brasileiros acreditam que podem confiar na maioria das pessoas.

Engraçado, quem será que escreve as notícias que elas dizem acreditar?

Para termos uma base de comparação, nos Estados Unidos, apenas 38% das pessoas confiam nas notícias que consomem regularmente, enquanto 52% das pessoas acreditam que a maioria das pessoas é confiável, uma relação mais lógica.

Fico pensando, difícil fazer negócio em um País onde a maioria das pessoas pensa que de cada 3 pessoas, 2 estão mentindo.

Fico pensando ainda mais como tanta gente cai em golpe e promessas de falastrões afirmando não confiar na maioria das pessoas.

Tem coisas que nem os dados conseguem explicar…

Vá uma milha a mais

A milha extra de hoje é o melhor livro que li em 2023 e tem tudo a ver com o tema de hoje. O Ego é o seu Inimigo me fez refletir e aprender bastante. Espero que faça o mesmo por você.