Segundas intenções

e como elas jogam contra você

Enquanto você culpar o algoritmo, o mercado ou o sistema, continuará jogando o jogo dos outros.

Durante o tempo que trabalhei no mercado financeiro, aprendi muito sobre performance e aperfeiçoei bastante a parte de dados, mas nada foi tão significativo quanto entender a infinidade de conflitos de interesse que existem nesse mercado.

A dinâmica que observava em vários concorrentes era no mínimo curiosa: quanto mais o cliente comprava (girava a carteira), mais a corretora e os profissionais que o “assessoravam” ganhavam.

Até aí tudo bem, o problema é que quanto mais a corretora ganhava, mais o cliente, na média, perdia.

Na época, era (infelizmente ainda é) comum ver produtos sendo vendidos com a promessa de “rentabilidade alta, risco baixo”.

Na prática, eram produtos extremamente complexos, com nome bonito — como o COE, Certificado de Operações Estruturadas — e uma lógica que, quase sempre, beneficiava muito mais quem vendia do que quem comprava.

E por que estou falando disso?

Bom, essa semana o assunto ganhou as manchetes e muitos conteúdos nas redes sociais.

A CVM divulgou que, nos últimos anos, mais de 80% dos COEs renderam menos que o CDI (rendimento livre de risco), e cerca de um terço gerou prejuízo real para os investidores.

E, ainda assim, o mercado movimentou quase R$ 100 bilhões nesses produtos.

A pergunta que você deve estar se fazendo é: “Por que, então, tanta gente continua comprando?”

A resposta pode doer um pouco: Porque a recomendação vem de alguém “de confiança”.

Alguém que muitas vezes está ganhando dinheiro em cima da recomendação.

E isso nos leva para o percurso de hoje: conflitos de interesses.

Afinal, eles não existem apenas no mercado financeiro, no marketing eles são ainda mais perigosos.

Até porque o conflito nasce quando quem te orienta ganha dinheiro não quando você tem resultado, mas quando você compra.

Quando o que é melhor para você não é o que é melhor para quem está fazendo negócios com você.

A inteligência do algoritmo e suas segundas intenções

Nas últimas semanas, ouvi de vários gestores de tráfego e profissionais de marketing uma frase que vem se tornando quase um mantra:

“Hoje em dia não dá para ser mais inteligente que o algoritmo. É impossível sermos mais inteligentes do que o Meta. Melhor deixar ele cuidar das campanhas e otimizações.”

A frase parece até fazer sentido, é uma boa narrativa. Mas é errada.

Sim, os algoritmos das grandes empresas de tecnologia têm evoluído muito. O do Meta não é diferente. 

Afinal, eles têm muitos dados disponíveis para fazer todas as análises, cruzamentos e entender o comportamento do usuário.

Algo humanamente impossível.

Mas você acha que ele vai usar essa inteligência mais a seu favor ou a favor dos resultados do próprio Meta?

Todo algoritmo é feito com uma intenção.

E, no caso do Meta, a intenção é te fazer gastar mais para continuar performando “bem o suficiente”.

O modelo de negócio deles é tão claro quanto o sol: mais investimento, mais dados, mais lucro.

Em 2024, mais de 90% da receita do Meta veio da venda de publicidade — quase US$ 130 bilhões.

Ou seja, cada “otimização automática” que você ativa é uma forma de entregar mais controle (e mais verba) à empresa que vive disso. Chances melhores dela poder alocar mais publicidades e de diferentes empresas.

E antes que pareça teoria da conspiração: não é. É o modelo de negócios funcionando exatamente como foi desenhado.

Entenda uma coisa: confiar cegamente no algoritmo de alguma rede social ou plataforma de tráfego é o equivalente do marketing de investir em COE no mercado financeiro porque o gerente ou alguém que deveria entender do assunto recomendou.

Não, gestores de tráfego não são comissionados pelo Meta (não que eu saiba pelo menos). 

Mas, então qual o conflito de interesse aqui?

Simples, deixando campanhas mais no automático, cada gestor consegue atender muito mais clientes e, com isso, faturar mais, ter mais tempo disponível, etc...

O perigo de se contentar com o desempenho do algoritmo

Existe um segundo problema em seguir o algoritmo que vai além do conflito de interesse: você vai se limitar ao desempenho da média.

Quando todo mundo segue o mesmo algoritmo e a mesma estratégia, a média se torna o teto, não o piso.

E, se você se contenta em “deixar o Meta fazer”, está automaticamente assinando um contrato com a mediocridade.

O algoritmo busca o caminho estatisticamente mais provável de dar certo (e dar certo significa um pouco de resultado para você e muito para eles).

Isso equivale, em outras palavras, ao caminho do menor risco e menor diferenciação.

E se todos jogam o mesmo jogo, todos competem pelos mesmos públicos, com as mesmas estratégias, até o retorno médio ser achatado.

O resultado?

As campanhas passam a se parecer entre si. Os anúncios são iguais, só troca o interlocutor. As estratégias se repetem.

E quem tenta fazer diferente é visto como “louco” — até acertar.

Achar que dá pra performar acima da média fazendo as mesmas coisas que os outros é a versão digital de achar que todos os COEs vão render acima do CDI (e que não existe risco de seguir essa estratégia).

Como usar o algoritmo a seu favor

Ser refém do algoritmo é fácil. 

Usá-lo como aliado é o que diferencia se você vai manusear a marionete ou vai estar com as cordas amarradas nos seus braços e pernas.

A vantagem de trabalhar com dados e ter acesso a bem mais informações do que uma empresa que só tem acesso aos seus próprios dados é que você entende comportamentos. 

Diferente da Meta, quero que você use isso ao seu favor.

Controle a inteligência, não a obedeça: Se você entende como as campanhas aprendem, pode influenciar o seu comportamento. 

Está captando leads? Envie apenas o registro daqueles que forem qualificados. 

Está com campanhas de venda? Informe não só a conversão, mas seu valor e tudo que a pessoa comprou depois.

Tem pessoas que você não quer atingir? Pegue na sua base quem tem esse perfil e exclua das campanhas. 

O princípio aqui é que campanhas são tão inteligentes quanto os dados que recebem. Quem controla o envio dos dados para o Meta é você, não ele, logo você pode estar no comando.

Dê ao algoritmo dados melhores que os da média: A maioria alimenta o Meta com dados automáticos: todos leads, qualquer engajamento ou visualização de vídeo, públicos não segmentados e por aí vai, a lista é longa. 

Quem entrega dados limpos, integrados e ricos em contexto (LTV, histórico, comportamento), ensina o algoritmo a buscar o tipo certo de resultado — e não só o mais fácil.

Otimize pelo que realmente importa: A maioria otimiza pelo menor CPL, pelo menor custo de seguidor, pelo engajamento...

Os melhores otimizam pelo lead qualificado, pelo LTV e taxa de recompra, pelo seguidor que tem perfil comprador..

Se você já sabe quais os sinais o algoritmo leva em consideração e que ele vai sempre buscar mais volume do que você pedir, aprenda a pedir corretamente.

Misture dados internos e externos: O Meta conhece o comportamento público das pessoas.

Você conhece o comportamento privado — quem comprou, quanto gastou, quando voltou.

O comportamento público pode ser usado por todos, o privado apenas por você, aqui mora o seu diferencial competitivo.

Quem cruza essas visões constrói inteligência própria e deixa de depender do da plataforma.

Crie hipóteses, não verdades absolutas: Não aceite “porque o algoritmo é assim ou não tem como ganhar do algoritmo ou o que o Meta falou é regra”. 

Teste, interprete, confronte os dados. A automação é ótima para executar; péssima para pensar.

Controle o incentivo: Se o interesse do Meta é te fazer investir mais, o seu deve ser fazer mais com menos. Mantenha o foco em eficiência, não em volume.

Afinal, quem comanda quem?

Nos tempos de mercado financeiro, eu aprendi rápido: quem não entende o jogo vira parte dele.

Isso segue valendo hoje. Se você vive refém do algoritmo, vai tender à média.

E a média é o lugar onde todos se sentem confortáveis, até perceberem que conforto e crescimento raramente andam juntos.

Quem quiser vencer o algoritmo precisa não só dominá-lo, mas saber usá-lo a seu favor.

No fim, o jogo é o mesmo: ou você aprende a tirar vantagem do sistema, ou o sistema tira vantagem de você.

Seu momento de refletir

Quais conselhos você está recebendo que podem estar carregados de segundas intenções?

Espero que tenha curtido o percurso de hoje.

Grande abraço e até a próxima milha,

César Mazzillo

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Dados no Cotidiano

Os algoritmos também erram — e muito.

Segundo o AI Index Report 2023 da Universidade de Stanford, a maioria dos sistemas de recomendação ainda carrega vieses estruturais: eles priorizam conteúdos e produtos que aumentam o tempo de tela e a probabilidade de clique, mesmo que isso signifique te mostrar algo completamente irrelevante.

Na prática, o algoritmo não quer que você aprenda — ele quer que você permaneça.
E ele é muito bom nisso.

O resultado? Quanto mais você acha que está no controle do que vê, mais o algoritmo confirma que você não está.


E o mais curioso é que ele não erra: só cumpre perfeitamente a intenção de quem o programou.

Ou seja: até as máquinas têm seus conflitos de interesse — só que elas nunca te contam isso.

Vá uma milha a mais

O episódio “The Algorithm” da série Explained (Netflix) é um ótimo ponto de partida para entender como esses sistemas aprendem. Principalmente para você enxergar o porquê de muitas vezes eles aprenderem errado.