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Sobre Legos e Pokémons
e o poder da nostalgia
“O que marcou a nossa infância marca as nossas escolhas de adulto.”
Há 3 anos faço parte do mesmo grupo de empresários que se reúne algumas vezes por ano para falar de negócios, também conhecido como Mastermind.
3 anos atrás a sala era repleta de adultos. Hoje, temos quase o mesmo número de crianças correndo pelos corredores do café da manhã do hotel, o tempo passa.
Discutíamos alguma análise aprofundada sobre saturação de público e fomos interrompidos por um “Pikachu, choque do trovão!!! Háá vocês todos tomaram um grande choque”.
Era o Gutinho, filho de um dos donos do Mastermind, brincando de Pokémon. O mais surpreendente foi ver os adultos em volta entrarem na brincadeira e vários nomes famosos foram entrando na brincadeira.
Era Charizard para um lado, Blastoise para o outro e logo virou festa.
Repentinamente o assunto saiu de análises de público para o quanto cada um daquele grupo de quase 10 adultos ainda gostava muito de Pokémon.
O sentimento de nostalgia no ar era grande.
Conforme o papo seguia, descobrimos que todos tinham colecionado cartas Pokémon e jogado algum dos jogos na infância.
Obviamente, todos os “filhos” também colecionam agora. Alguns pais inclusive comentaram que como não podiam comprar na infância, compram em dobro agora, afinal são dois desejos realizados em um: presentear os pequenos e, de tabela, a criança interior.
Fiquei com isso na cabeça (até por ser um fã de Pokémon) e vi que esse era o gancho perfeito para falar de como marcas gigantes dos anos 90 — Lego, Pokémon, Nintendo, etc — estão surfando (e muito) a onda da nostalgia.
Como elas usaram estudos profundos de público-alvo para sair de uma sequência de resultados ruins para bater recorde atrás de recorde de resultado.
E a grande sacada que elas tiveram foi entender que existem dois tipos de público envolvidos na compra dos seus produtos: os pais e os filhos.
Elas entenderam que o público que cresceu com elas agora decide a própria compra e, melhor, decide a compra dos filhos.
E nessa simples chave virada, as marcas ganham não só uma nova visão de branding, mas uma lente extremamente clara para repensar linhas de produtos, marketing e canais de distribuição.
Entender essa lógica pode fazer com que o poder da nostalgia jogue a seu favor também
Simplificando o que a nostalgia faz com a gente
A nostalgia é uma emoção social com efeitos bem práticos. Pesquisas mostram que lembranças nostálgicas aumentam nosso senso de conexão com os outros e o sentimento de continuidade pessoal — o famoso “quem eu fui ainda conversa com quem eu sou hoje.”
Inclusive o grupo que estava conversando ficou muito mais próximo por descobrir esse fator em comum de uma época já hoje distante.
Esse sentimento nos faz agir e tomar decisões que racionalmente não pensaríamos em fazer (eu mesmo voltei do Japão com 4 pelúcias de Pokémon na mala).
Em termos de influência no marketing, gente com esse “tanque” emocional cheio tende a se engajar mais com marcas que acionam memórias afetivas e isso é um poder gigante na mão dessas empresas.
Um estudo clássico do Journal of Consumer Research demonstrou que, quando estamos nostálgicos, a “vontade de guardar dinheiro” diminui — e a disposição para gastar aumenta.
Não é que a pessoa perca o juízo; é que a memória afetiva supre parte da necessidade de segurança que o dinheiro representa.
Em uma interpretação para dados e marketing, nostalgia é como um gatilho de valor percebido. Se seu produto conversa com memórias significativas, você desloca a discussão de preço para significado.
Como as marcas estão aproveitando (e medindo) isso
Lego: de brinquedo infantil à hobby premium de adulto
A Lego vem há anos reposicionando parte do portfólio para adultos. Linhas antes impensáveis como decorações, carros com motores, colaborações com franquias famosas (e nostálgicas) viraram presentes para si mesmo — e com um preço bem mais alto.
Há dois anos, enquanto o mercado de brinquedos apresentava números com fortes quedas, a LEGO cresceu receita, lucro e mostrou avanço muito significativo no market share.
O segredo: vender para adultos (o mercado vem sendo chamado de “kidult”).
Sabe aquela viagem que você quer algum item para deixar de lembrança? Pode ser que exista um lego sobre isso.
Sabe aquele carro que você tinha miniatura quando criança? Agora existe uma versão em lego para você montar.
Sabe aquele desenho ou série que você não parava de ver? Agora você pode eternizar suas cenas favoritas com um lego na estante de casa.
Não foi apenas um claro entendimento do público que iria ter vontade de comprar, foi um estudo do público que teria condição de comprar várias e várias vezes.
E ao vender para o adulto, o adulto voltou a comprar para as crianças.
Pokémon: remakes, cartas e a volta ao pátio da escola (versão 2.0)
A The Pokémon Company vem dominando o conhecimento sobre público-alvo nos últimos anos.
Em uma época em que tudo é online, usou a nostalgia do seu público fiel de anos passados para relançar o Pokémon Go em 2016 e reconquistar uma base gigantesca de fãs.
O jogo hoje nem é mais famoso, mas ele foi o responsável por reviver a febre das cartas e jogos de videogame.
Nos últimos dois anos, grandes redes reportaram múltiplos de crescimento nas vendas de cartas e o mercado de cartas colecionáveis como um todo já passa da casa dos bilhões e com forte tendência de alta.
O público que antes não tinha o poder da decisão de compra e precisava convencer os pais a comprarem “pedaços de papel e cartolina” agora tem seu próprio salário e a desculpa perfeita de comprar as cartas e jogos que não podiam ter na infância para seus filhos.
Vamos embasar isso em números.
Adultos e adolescentes com mais de 12 anos já representam cerca de 25% das vendas nos EUA (algo em torno de US$ 9 bi/ano).
Segundo a The Toy Association, esse público é tido como uma das grandes apostas para retomar o crescimento do setor, porque mostra um LTV mais alto e maior facilidade de ser influenciado pelas redes sociais
Conhecer bem o seu público pode fazer você vender várias vezes para ele com a mesma emoção
É engraçado ver a justificativa dos meus colegas e amigos para as compras. Dá para ver claramente que os adultos compram para os filhos como se estivessem comprando para si.
Só que isso muda toda a estratégia de marketing.
A comunicação é diferente, os canais são outros, os produtos precisam conversar com mais de um público.
Ao invés de falar só com a criança, fale com a memória do pai/mãe.
E, se seu produto não for um brinquedo (vendo as pesquisas de quem lê essa Newsletter, provavelmente não é), o raciocínio é o mesmo: qual memória seu cliente carrega que seu produto pode “resgatar” com autenticidade?
A nostalgia é, antes de tudo, um mapa de segmentação.
Em vez de separar apenas por demografia (idade, renda, etc) ou objetivos, dores/desejos, experimente recortar por marcos de memória: “quem jogou X na infância”, “quem acompanhou Y”, “quem colecionou Z”...
Esses marcadores podem virar audiências melhores, com criativos muito bem direcionados e taxas de conversão e resultado muito acima da média.
E o mais legal é que você pode montar testes bem práticos para medir o impacto:
Aumento de CTR (Taxa de Cliques) entre criativos “neutros” vs. “nostálgicos”.
CAC de linhas nostálgicas x linhas tradicionais de oferta, venda e produto.
LTV por safra de cliente: o quanto que um cliente que entrou por uma comunicação ou produto nostálgico deixa de receita ao longo do tempo comparado aos demais? Na LEGO, os primeiros testes mostraram que esse valor é significativamente maior.
Um disclaimer importante.
Essas marcas não mexeram só no marketing. Seu objetivo não era “apenas” vender mais. E sim entregar um novo tipo de experiência, um novo formato de produto que fizesse com que as pessoas relembrassem e revivessem bons sentimentos.
Antes de seguir uma estratégia nessa linha é importante perguntar: estou ativando nostalgia para abrir porta de entrada rumo a valor real ou para manipular um sentimento com marketing?
Seu momento de refletir
- Quais memórias seu cliente carrega que você pode legitimar no produto, e não só na campanha?
- O que, no seu funil atual, poderia virar um “remake” (um módulo clássico refeito ou um evento-homenagem) que facilite a aquisição de hoje?
Espero que tenha curtido o percurso de hoje.
Grande abraço e até o próximo choque do trovão,
César Mazzillo
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Dados no Cotidiano
A explosão de cartas físicas em um mundo digital.
A The Pokemon Company imprimiu, nos últimos 2 anos, mais de 23 Bilhões de cartas colecionáveis, o que equivale a 3 cartas para cada ser humano vivo no planeta.
Isso representa pouco mais de 30% de todas as cartas já produzidas na história da franquia, que existe desde 1996.
Ou seja, em 2 dos quase 30 anos de história, temos concentrada 30% de toda a produção de cartas.
Detalhes:
- Esse recorde acompanha a explosão da versão digital do jogo, que também bateu recordes de usuários.
- O volume produzido foi limitado pela capacidade operacional, ou seja, foram impressas todas as cartas possíveis dentro do que as fábricas conseguiam.
É o poder da nostalgia usado de forma inteligente para reviver um público extremamente fã.
Vá uma milha a mais
Para quem quiser entender no detalhe a estratégia da Lego e os resultados que o foco em adultos está gerando, vale ler o relatório anual aos investidores (foi o mesmo material que usei para embasar os dados da Newsletter)